terça-feira, 28 de abril de 2015

não reclamo do temporal se você molha os meus olhos de garoa

não temo a fúria do tempo
nem as nuvens ruidosas penduradas
no céu chorando desde o verão passado
são uns 60 passos até a sua cama
e no fundo as cores das meias que usa são extravagantes demais
deixo a poesia na cômoda
e lavo os cabelos com água fervente
pois a alma precisa de um sossego
antes de adormecer com gosto de café e saudade do sol

o burburinho dos ônibus que não param em meu ponto
fazem o ritmo assíduo da poesia renascer
ter que aturar as tardes de domingo é um aviso de que não há segurança
nem em seus olhos brandos
é tudo isso que machuca
acho que a humanidade vendeu também a paz

debaixo desse viaduto do Humaitá
a luz das estrelas se atreve a ultrapassar mas posso ver o seu sorriso se escondendo
atrás de um muro de Berlim
contou as mágoas estocadas na mochila?
minha poesia está guardada na garganta e todo grito é sim desespero
pois o tempo nasce em mim apodrecendo o seu nome
sufocando a vontade de amar antes do sol me erguer da cama
às seis e meia na segunda-feira

sempre que o céu desaba você vira um pouco de tempestade
molhando
sem compostura
o meu corpo submisso
e apagando a ponta do cigarro que fumo 
pra esquecer que você se tornou insônia nos domingos de chuva

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Luzes da cidade


você me diz que o sol vai se pôr
e eu recordo que há um oceano
tão frio e medonho
dentro de seus braços
me afogando
que temo não sair com vida

consigo ver a luz da lua na parede
do meu quarto
mas nem há lua hoje

quando os vaga-lumes aparecem
a chuva molha um pedaço de mim
mas eu não choro alto
só a tempestade cai

sonhos dormem
e temos que acordar o coração
exausto no café da manhã

quando você se perde dentro
da noite clamando que haja
algum culpado pela
nossa solidão
é quando eu existo

há licença poética em seus olhos
mas quem tem tempo pra poesia afinal?
quem repara no desassossego dessas palavras gigantescas?

quase todos os parágrafos reparam
nossa poesia é marginal em um mundo
ocupado por gramáticas
e olhos calculistas

eu vejo a luz da lua na parede
do quarto
mesmo sabendo que os postes
da cidade mentem pra mim

terça-feira, 21 de abril de 2015

João é alguém

Parece que ouço Clarice cantando junto aos sussurros do bairro da saudade
Que o amor morreu antes de descer a ladeira
Ralou os joelhos
Virou a cabeça e há um coração pulsando a cinco mil quilômetros por hora
Passou da hora de te contar que não quero voltar pra casa
Eu vou bater a sua porta
Me debater em sua cama até te fazer entrar em mim

A poesia é nossa, surrada, suada, submissa e ativa
Então me faça explodir em versos antes que eu me torne repetitiva
Só falando dessa vontade homicida de te engolir...

sexta-feira, 17 de abril de 2015

sono e olheira de quinta

quando você fecha os olhos
é quando eu fico só e serena
mas a escuridão que cega o céu
me faz ter pesadelos

mesmo tendo tão pouco sono
ainda sonho conseguir descansar
não em seu ombro largo
mas em meu sossego sonâmbulo

não nos parênteses críticos de sua boca
preciso de repouso na certeza
de que não existo para te adorar

não é de amor que falo
quando repito seu nome 
mas sei que uma gigante tragédia
aguarda por entrada nas minhas poesias

quando eu fecho os olhos
me recordo que perdi a identidade
a cor dos meus olhos dóceis
mas isso alivia o medo da noite
e do inverno que cobre o seu corpo

o mundo acorda e eu morro
mas você não morre em mim

sexta-feira, 10 de abril de 2015

vida e morte da poesia em mim

a poesia morta em mim recita
cânones literários ainda não lidos
por medo de repousar onde
há omissão de empatia
grita sem voz mas faz desse silêncio
um hino de absolvição
refaz meus planos insalubres
e observa atenta pelos vidros embaçados dos ônibus
quem aperta os passos na dança do atraso
há caos sim, na poesia, em mim,
nas ruas dessa cidade popular

a poesia quer nome e invade todos
os parágrafos suados de meus artigos acadêmicos
há caos quando tento escrever
um resumo descritivo ou me desfazer
das malditas metáforas que sempre
dizem o que a poesia grita
a poesia morta em mim renasce
quando o sol queima os olhos míopes pela manhã
e impede língua padrão em prol da licença poética
em cada "eu te amo"
amo-te não

ela diz não aos muros pálidos de pavor
ou rancor e há uma poção de abismo
na tinta preta dessa sua caneta
os psicólogos dizem que isso tudo
é caso de rima e que já sofro
com os sintomas prescritos
é bonito, a poesia faz questão de morrer
todos os dias em meu peito
que é terreno vadio

a poesia sou eu, também

sábado, 4 de abril de 2015

se estamos perdido é porque há um caminho?

somos estranhos pedindo ajuda com os olhos quiçá
se falassem diriam que não há direção segura
não é primeiro de abril e há quem forje sorriso aqui no rio

ontem ouvi o meu dilema existencial rasgar em versos
a falta de inspiração que seca as canetas do estojo.
sem identidade ou ritual sagrado eu fujo daqui antes de ouvir a porta
me apertar contra a despedida
estamos perdidos, sim
loucamente ensopados em chuvas inesperadas de verão e parados
em pontos de ônibus passando do ponto de partir
há fome no céu chorando
há seca aos pés dos homens de fé
acredita em mim? pois há uma chama te queimando 
e vaporizando pro azul, onde não há tempestade

estamos perdidos, sim

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Onírico

sobrevivendo a partir das cápsulas de tarja preta eu tento escrever
os objetivos de vida que nunca possuí pois
só desejo mofar em cima da cama
ocupada por essa solidão
salgada. Espaçosa. Cretina.

e eu que comprei mais três livros para essa estante lotada
peço perdão à solidão
que me invade
e decepa algumas lágrimas foragidas do holocausto
vivido dentro dos olhos cor de madrugada

nas noites em que o bicho entra pela porta sanfonada
fecho a alma para não ser roubada antes de dormir
e ainda luto contra os monstros invasores dessa minha calma mas quando vejo
a cama bagunçada pela manhã penso que não estou tão sozinha

Guardo a poesia em mim

viver editando palavras é censurar a liberdade
não há pássaros saudáveis soltos pela cidade
e o Cristo está de braços abertos desde quando eu prometi publicar
as páginas de nosso romance banal nos muros de ruas silenciosas
pois renuncio a eternidade carnal

Não há felizes para sempre afinal