sábado, 26 de dezembro de 2015

notas sobre contas a pagar

receio ter perseguido

pedido sossego

ao lado da cama

o medo fisga o pulmão

me tira da rua

como se por indignação

faz calor demais

verão do Rio

superlotado e vazio

é quase uma inundação

anseio inflamado

aqui ó 

do peito

quase encostando

na grade de proteção

não ultrapasse o meu limite

juros são mais altos com amor

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Enlaço

Meu corpo fica inerte em seus braços
Assim retorcido
Embaralhado como se fosse laço
Ou acaso essa rima toda pra você

Quieto exclama por entrelinhas
Colchetes em sua cama
Um gosto de vinho no sangue
O clímax se transformando em tragédia
Ânsia de morrer estirada no arco de seus braços

Pintas no topo do ombro
Pistas expostas pelo corredor
Manchas brotaram
Não pise em meu corpo calçado

Há uma ferida debaixo do osso
Visitas trazem lembranças em sacolas
Meu corpo imobilizado
Quero morrer em seu abraço

domingo, 20 de dezembro de 2015

as ondas seguem o fluxo da corrente sanguínea

enquanto a tempestade de sábado
vence a seca contida em seus olhos

contemplo meu perfil rígido
no espelho grande da varanda
e não me reconheço

sim, contudo, o mesmo rosto de antes
mas essa fala estancada

tão exposta
é frágil demais para nós

laços dados e cadarços roídos
chuva tímida antes das três

analisei as dívidas
e cobramos demais dessa ternura
que nos acoberta a noite

pensei em te enviar uma correspondência
os correios saíram de greve

o coração faz manifesto
mas há quem cale os segundos

enquanto o deserto habitar sua face
a tempestade é formada por areia

os castelos permanecerão ruídos na praia
a onda é quase mansa

só o protesto é sem antídoto
pra ressaca de um verso cardíaco

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

silêncio

mortos deixam
muitas coisas para trás
essa avenida 
desfila a dor
o trânsito no peito 
acelera
é um incêndio
tão frio
por um triz
não me sinto
no rio
buscando
diagnóstico
desvio
propuséssemos 
outro destino
vidro-
fumê
pastelaria falida 
do japonês de boné
vê se me encontra
voluntários da pátria 
é grande demais
todo rio de janeiro
aguarda carnaval
mas desde ontem
penso 
e relembro
eu não escrevo
só para você
nem a mim
isso
é como afundar
assim
bem fundo
lá dentro
pro-
cura

domingo, 13 de dezembro de 2015



Fragmentos selecionados
1. MAUPASSANT – Bola de sebo – Páginas 11, 12, 14, 15, 32
2. MELVILLE – Bartleby – Páginas 9, 17, 18, 19, 21, 26, 36
3. KAFKA – Na colônia penal – Páginas 56, 70
4. BECKETT – Primeiro Amor – Páginas 5, 6, 10, 11, 16
5. GOETHE – Os sofrimentos do jovem Werther – Página 29

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

sobretudo

eu dançaria em seus pés
mas os meus passos atrasam a hora

em caminho difuso
a música não cessa

meu peito se manifesta
mesmo se a festa anular

eu cantaria sobre um passado oculto
os amantes e sanguessugas

todo absurdo num só parágrafo
mas desconheço

sua cor predileta
e o nome da poesia

toda prisão contida em cápsulas
um raio de sol aquecendo seu queixo

acho que perdi os dias
e já que estou de férias

a música não cessa
subo em seus pés (mas eu sei dançar)

domingo, 6 de dezembro de 2015

ensaio sobre o movimento

quando você dança em cima do meu peito
eu sinto como um calafrio um zumbido
de cada trovão que colide lá fora
e aqui dentro é quase um moinho
tão veloz que juro parece vulcão 
 
mas não tenho medo dos anúncios
do comércio abrindo mais cedo
se pontes são insuficientes
porque acho que ninguém me alcança
nem a morte
nem o medo e o amar

esse é mais um motivo do ritmo
e mais uma rima um desvio
decorei os passos
batuque disritmia
inventaram palavras ausentes

e o coração dispara
morte lenta só uma bala:
é doce o balanço do mar

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

um oco uma falha quem sabe um deslize

desperto atrasada de novo ai de mim se fosse novidade
os carros perpassam o trânsito de olhares apáticos
enfileirados vamos guinados por não-sei-o-quê
mas há sempre um sol clarinho da cor de cerveja
o fígado aguarda imediatamente sexta na segunda-feira
terça é dia de morrer no banco de trás do busão

a blusa de alcinha preta pregada no tecido do corpo suado
mãos aflitas por alguma posse que seja um cigarro
cenas correndo à quilômetros da hora de almoço
a gente tem uma fome bem no centro da barriga
parecendo um oco uma falha quem sabe um deslize
palpites ou palpitação no peito só a poesia ousa não calar

entre caos e cais repouso no próprio estrangeirismo
as calçadas tão estreitas impedem nós de mãos dadas
mas atados são tratados de uma eternidade de agora
essa ânsia terrorista de regressar ao útero do mundo incapaz
desperto ainda prematura atrasada de um parto forçado
a vida é lenta demais quando estou no banco de trás

sábado, 28 de novembro de 2015

Baby, metade disso é pra te ter inteiro

quando deixei você partiu
calçado em chinelos azuis
maiores do que os pés
com as mãos fora dos
bolsos da calça fedida
eu sabia do ato masoquista

seus passos roçavam
sonsos aos roncos
minha barriga fazia
seja larica
ou fome de engolir
sua partida

queria apagar os rastros
e afagar a palma suada
de suas mãos libertas
até que a despedida
sumisse no ritmo
da minha poesia

a garoa caía
dos olhos da nuvem
os carros corriam
o preço do dólar
subia sumia

e o arrastar da sola
no chão de cimento doía 
você sabia
então fazia dessa cena
uma terapia

o dia te acompanhava
aquele tilintar das chaves
e o vento empurrando a porta
só você não nota
os danos dessa partida
é que eu também
fico partida

um dois três quatro
era assim que você me dizia
"Baby, os danos são inevitáveis"
a ferida cria casquinha
depois do quinto dia 

fios

mortes nos fios de cabelo
em travesseiro
de motel três estrelas
no pente de madeira
largado em cima da pia
enroscado no chão de piso liso
esse cabelo suicida
a precipitar no ar
portando meu DNA
fino quebradiço de tanta pintura
perdido dentro da boca
enquanto há beijo
crescendo demais
depois dessa chuva
fios no seu lençol de malha

toda eternidade no embaraço de nós


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

reparar

olha pra mim, para e repara um instante até que os olhos lembrem de piscar. dá um tempo pra me olhar assim de frente, senta e aguarda o fim da tarde que aflora em meu peito toda vez que esqueço meu corpo em sua cama. calma, te peço com fluidez sempre que o suspiro vira motivo pra uma rima de um sorriso entrecortado e ah, seu beijo é mais banhado que poça d'água acumulada nos olhos por qualquer fração de ternura, e... irei constantemente falar dos olhos desde que parei em você. é porção de disritmia, colóquio em praça pública, pudor. ouço seu coração tagarelar em tom esquizofrênico, mansa repouso na camada mais sensível de seu corpo e em silêncio denomino de templo esse lugar de descanso. descalça encardo seus lençóis, embaço copos de vidro com batom e te chamo pra guerra que é amar uma mulher sentenciada pela própria poesia revestida de óbito. as manchas de café e mordidas, seu sono em pleno fim do ano, quero estagnar esse sonho que relato com o toque da língua na ferida exposta que encontrei ao entrar em sua casa, seu mantra. os livros na estante não justificam meu amor retraído em busca de uma liberdade que é necessária pra mim, sabe? olha pra mim, as lesões nos cantos das unhas roídas e essa ansiedade, é tudo um resquício de memória, um enterro prematuro, não é por mal a nossa morte em mim toda vez que me visto de alforria e trepido madrugada entre ruas de nomes próprios. eu preciso que foque até cansar de decifrar e só lembre que é tudo bagunça assim pelos cantos jogada de mãos desarmadas com um atestado de contusões narrando contudo que é tudo uma parcela de universo, ah, não sei... repara, é o que nos move.

repara, estou sem manual, não tenho conserto.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

previsão de chuva

gosto de ouvir seu coração
quando deito na borda do peito
ontem ele batia tão forte que parecia fugir
de um temporal
e esperava pacífico entrada em mim
à frente da lareira que chamusca até as bochechas

você me pediria um copo de achocolatado
mas faço café das nuvens dos dias tediosos
e rezo pela sua estadia em abrigo seguro

não é bobagem esse quarto escuro
de teto infiltrado
minhas mãos são conchas leves
você é como essa ressaca de um sensível vendaval

seu coração pede passagem
mas nunca houve porta nem chuva forte

bate
bate
bate
bate
me diz, é onda ou tempestade?

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

XX - Mariana


Hoje sonhei com sua imagem. Você dizia que é preciso ir em fuga pra ponta do cosmo e soluçava sobre a insônia, mas viver em apneia é estar incluso dentro dos seus olhos infindos de matéria prima pro universo que divaga sobre uma pequena redoma particular que é o seu corpo de maré. Há dilúvio nas aspas que você compõe, e ouso afirmar que o indizível carrega a bagagem das peculiaridades que te moldam esse ser tão singular. Você é, Mariana, a todo instante, uma fração de infinito; em um dançar de cílios, uma porção de prosa que nunca será escrita com exatidão. O discurso é falho ao narrar seu mundo, e os que estão inclusos no espaço canônico do seu peito, deleitam da mordomia de um abrigo no caos. Toda suavidade em seu rebuliço, nas curvas do seu tom, nos traços da mão envolta na caneta a compor um esboço de arte. Você é a inenarrável inquietação do horizonte a se desmontar quando as pálpebras decidem dar repouso à eternidade do instante de sua existência. 

Hoje sonhei com sua imagem, você era o amor.

sábado, 7 de novembro de 2015

querido eu

seu esqueleto dorme
e lacrimeja
chove sempre na volta
mas você respinga
no café pela manhã
seus lucros e divindades
não te assistem às 3:30h

escarra um amor mais líquido
e faz prece pra fuga
a ponta do céu também queima
e ainda assim falta o seu número

não falarei sobre os seus olhos
e nem do inferno novamente
me afoga no inexplorado peito comprimido
incendeia meus pulmões

seu estoque de contusões
e as prosas na gaveta
a chuva nos perdoando e o choro
no fim da rua cheia de poça
água acumulada
nudismo
e
tu
per di do
numa correspondência arrombada

volta pra casa?

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

o amor doce é rio de lágrima

o amor me tirou da cama
extraiu a armadura de sonho
e enfiou o dia goela a baixo
ardendo, suplicou um banho
o amor marca nas partes macias
expulsando dureza que achava possuir
e esse coração tem validade
mas o amor...

ah, o amor não tem hora
me atrasa e me retém mas tarda tanto
que de súbito recordo não saber amar
mesmo que o mar esteja a quinze passos
e tenha aprendido a nadar na prosa
de braços largos

o amor fez insônia
e também manchas
anoitecidas
no contorno dos olhos
aspas em discursos embargados
sob luz da lâmpada
mas amo o sol
só por querer amar só-lar
em dia morno de céu azul

esse amor paira
no cálice do peito
e indaga sobre o ritmo da poesia
que move
mobiliza
e desvia da cama
no dia azul
o amor é manso igual milagre
e tão salgado que estou sedenta
cada vez que choro

ah, os olhos, o amor
está conservado ali
inerte e furioso
aguardando amanhã
com expectativas de tempo aberto
e tudo azul

(...)

sábado, 31 de outubro de 2015

pra não dizer que não falei das curvas

tomando forma
se moldando em cicatriz
me tomando pelos braços
e um arrepio
é talvez frio
cobrindo as contusões
a cor dos mamilos
e se
eu falar sobre o aperto
deixo de escrever
e fico logo nua
só pra anunciar que sou sua
essa nudez
não só de roupa
e essa tela envernizada
de um tom anoitecido
me vestindo
despindo
eu sou sua
crua
miúdes
tecido e hepiderme
sua íris tom de noite
sua língua como um véu
(eu só sou sua quando estou nua)

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

mensageiro

o incenso de cravos
e teu templo dentro do quarto
duas voltas no quarteirão
e essas pernas
tua clavícula em demasia
mais uma quadra
o horizonte apagando a tarde
eu te acendendo
mais um maço vazio na bolsa
o farol pisca
e cada estrela
uma pista
enviando mensagem de seus olhos
como se eu não anotasse
cada gemido
e o cheiro das ruas
o tecido da sua camisa bege
roçando meu mamilo

sábado, 24 de outubro de 2015

laranjas e filosofias bagaças

tentei dormir mas ouvi 3 tiros disparados
corri pra ver se havia sangue na rua
de certo a cena me cederia 1 pesadelo digno
porém não era bala atravessada que rendia insônia
corri pra geladeira e ali quase vazia só tinha
2 laranjas descascadas
senti a metáfora roer meu estômago
os bagaços deixados pra mim possuíam suco e caroços
a tampa do vazo levantada
a tampa da pasta de dente desaparecida
um gosto de choro na garganta
é quase manhã mas narro a noite
como se fosse tudo uma instigante narrativa
e o ronco da barriga só um surto de paixão
os tiros um presságio de domingo
e as tampas sejam as famosas pedras no meio do caminho
os bancos só abrem portas às 9h
chupei minhas metades das laranjas

Drummond diria que eu corro demais

terça-feira, 20 de outubro de 2015

O céu e eu de ressaca

Te busquei no contorno dos cachos de cabelo
Na imagem monocromática formada a cada vez que pisco
Você seria uma rasura
Meu rabisco de infância
Uma nuvem brusca de primavera

Hoje as ondas batem dentro do meu peito de areia
Seu nome desbota na maré
O medo de morrer afogado impede seu mergulho
Mesmo que o céu não apresente ameaças

O seu silêncio embaça a lente dos meus óculos
Vulgariza o escarcéu que te faço em prosa
Você seria uma metáfora
Meu passatempo
Mas a chuva de hoje tirou os nós dos cabelos
E você da minha cama

domingo, 18 de outubro de 2015

sábado

teu câncer no peito
a chuva que não resistiu às minhas costas
uma bossa no rádio de pilha
um tabaco na boca e teu timbre
como se fosse força esse abrigo
que carrega nas cordas
como se fosse mentira essa chuva
e o meu arrepio um miado de fome

tua rima escondida no bloco de notas
um rugido da porta parece anúncio
parece medo e motivo de garoa
os gatos de rua morrem mais de 7 vezes
e a marquise arquitetônica de teus braços
saciando a ânsia esfomeada de sábado
insistente em esfregar os textos diluídos
na folha branca de tua superfície
apaziguando a chuva

é tanto pretexto
mesmo que falte cinzeiro
céu nublado
fumaça escapando
e de súbito tu me rouba a saliva
como quem sente sede
mesmo depois de toda chuva fina
com gosto de água salgada

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Cânone Ocidental

escritores malditos que me formaram
e me mostraram o céu azul
algum dia vou morrer
talvez recitando
sobre a covardia de escrever
sem pular do oitavo

andar descalça cansada de tanto
asfalto atropelando pedestres
canivetes são proibidos
o seu sorriso em 3d
enquanto os romances não renovam
seus roteiros e o puteiro na Tv
em 60 polegadas de uma tela plana
pois piranha é vendida todo dia
antes do café da manhã

enquanto no 410
você trancafia a minha mão
caçoa da caligrafia
examina o desconcerto

foram os desenganados
e demolidos
sobrevivendo da fome
de cartas estúpidas
roncando
e o meu gozo
em cima dos escritores invisíveis
melando o azul
algum dia vou morrer
porém não há motivos para alarmes
escadas de incêndio
ou seus dedos segurando
os meus

como se eu fosse a única
a narrar o pesadelo
essa miséria
vestida de luto
enquanto discutem
sobre a selfie do ano
os mais ouvidos no mudo
blues e jeans de lycra

queimaram as mulheres
numa fogueira
mas toda revolta é falta de pica
toda cor do oceano é onde
preciso morrer

até o motorista riu da falta de troco
analgésicos pra dor de existir
máquinas vão cessar
à noite
cores adormecem
quando escritores esquisitos
publicam e transitam em mim

domingo, 11 de outubro de 2015

ventanias

gosto quando tu se aproxima
como vento sedento de outubro
samba com o meu cabelo
e faz chá de maçã pra curar dor de viver
as minúcias se recolhem em teus olhos
te fazendo reparar distrações
as cores do céu como pintura
a dureza dos ossos da tuas costas
essa paz desnorteada sabotando o caos
gosto da tua ventania  

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

me enterraram na travessia

hoje vi um bêbado ser atropelado
ali em escárnio no meio dos entusiasmados
era eu que me via arregaçado
com a fúria do sol de três horas
efervescendo a ferida
a gota de álcool brotando dos olhos
o álcool dos carros e do corpo confundidos
e essa chuva acumulada de dias
cuspida do céu
o trânsito fodido
o bêbado fodido
e os carros
ah, os carros
as buzinas e faróis apontado pro olho
se mirar nos pássaros há sintonia de asas
enquanto o vento maneja
cada folha dessa árvore entre o cimento
há muita beleza em parar o tempo
dessa forma
a essa hora
o sol começa a esmorecer
e o corpo duro do asfalto a morrer

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Eclipse

Vejo a cor sol mudar quando pousa em seu rosto, como se temesse te tocar e morrer de tão mármore e sombreado. Você reflete, esqueço o batom dos lábios como quem também não lembra dos danos e, de repente, cultivo a perversão de teu apetite despindo meu corpo flamejante. Vibro cândida por cada engano que te enfia em mim rústico, sem medir efeitos colaterais depois do último cigarro fumado pro fim da foda. Você vai embora, eu sei. Vai antes do café coar na cozinha e dos pingos de mijo insistentes que aplaudem o barulho discreto da porta.

Eu vejo o sol se esconder contigo.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

rima só

paredes azuis
e teu verniz nos olhos parecendo choro
eu estendia as olheiras ao sol
e tricotava aquele tapete da entrada
as nuvens desenhavam os anúncios
que não saíam nos classificados
você vestia solidão
reverberavam os refrãos em reprise
como se a memória fosse curta
e as saias um empecilho

eu rendava meus lábios em tua nuca
o dia chamuscava dois ovos na frigideira
as paredes sempre muito azuis
e da janela assistia a comunhão em desespero
parecia choro aquele verniz
você vestia solidão tão justo
que meus braços se tornariam prisão

as aves em fuga pro sul
aquele tapete imundo
eu previa a tempestade de agora
o azul te enclausurando
um desfecho suave e tempo nublado
você seria uma rima só

paredes
versos livres
e o verniz
nus
só lhe dão mais cor


sábado, 3 de outubro de 2015

Dioniso

As vezes
Acho que estou me rendendo
Às vozes que falam
A uma loucura
Que diz
Dói um pouquinho
Mas é só trancar os olhos
A poeira vira poesia

Então fica
Elas dizem que o mar bate
O amor é coisa de terrorista
Suicida
Então fica

Fica um pouquinho
Antes de ser chamado de louco
Por ter um caixão exposto no peito
As vezes
Acho que sucumbo
Às vozes que murmuram
Fica enlouquecido

Às vezes
Eu fico
Noutras só insisto nas cores das fachadas
De prédios residenciais
Trânsitos e balas no ponto de ônibus
O isqueiro de emergência
E cada rima
Diz
Fica um pouco enlouquecido

Dioniso me inspirou
Há vinho dentro do sangue
Sangue no seu vestido
Diz
Essa insanidade
Faz algum sentido?

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Recito poesia de graça

Estou quase lúcida
E nua
Mas isso não importa
Esses traços
São arquivos autobiográficos
A lupa que tira o embaraço dos olhos
É de armação exagerada
Enquanto nasce uma espinha interna no nariz
Descubro a cicatriz na rua
Nessa curva
Que os dedos percorrem
À velocidade baixa
Uma manchete de jornal
Sua dor embrulhada
Esfregando a ferida
Um litro de cerveja gelada e
O dinheiro da passagem
Até seu coração

domingo, 27 de setembro de 2015

Tatuagem

você dizia que morrer de amor é mais bonito
enquanto a cerveja nos levava pro banheiro
com a mesma frequência
que eu via seus olhos adocicados atropelarem
as palavras que suavam em minha boca 
sua cor é de um mel antiquíssimo 
a Primavera nos faz tirar as roupas com mais facilidade

tocava um jazz nos fundos daquele bar de número ímpar 
você dançava os dedos sob meus braços
e cada vestígio de sorriso 
eu anotava 
a sua música me faz gingar as pernas
como se tremesse de espanto

eu recitava paranoias
engolia sem engasgar 
o recado escrito na mesa do bar 
o pólen sugado de meus traços 
a Primavera que acorda os pássaros em seu peito tatuado 

domingo, 20 de setembro de 2015

Nua

Lá estava eu, de braços cruzados, segurando firme o coração que por um triz batia à sua porta; de botas cansadas e lendo o welcome to hell no tapete trivial e ainda úmido da chuva na sua entrada. A tempestade fazia folia, a mochila havia engolido o isqueiro laranja e recordo com remorso do cigarro que pedia fogo encolhido entre os dedos que trepidavam em ritmo submisso. Há recordações ainda da miserável nicotina querendo me ajudar a morrer de forma mais lírica do que em frente a uma porta encardida e quiçá mais rígida do que o seu pau em minha boca que pechincha um bocado de absolvição. Seu pau em minha mão. Seu pau tão em mim e essa porta maciça fodendo a minha entrada. Welcome to hell você diria mesmo sabendo que sou monolíngue e do meu espírito pagão. Seu pau em minha mão. Você me ofereceria o sofá-cama e o dilúvio que mataria a minha sede não se encontra em copo d'água. Nós saberíamos. O meu coração preso entre os braços era quem mais sabia, mas sabe-se lá se a água em festa na rua não serviria pra lavar minhas mãos.
Lá estava eu, nua, na rua, aguardando absolvição.

sábado, 12 de setembro de 2015

meio acerto

eu esperei a chuva anunciada às 19h
pra tocar a nossa música na rua toda molhada
e te ver entre as bainhas das calças encharcadas
sorrindo com os olhos meio fechados meio me olhando
meio falando que o caos é tão bonito
assim de perto
mesmo que grudado à minha boca

tocamos o céu
eu ainda esperava a gota d'água
o vômito do bueiro e os ratos enfileirados
as cores embaralhadas dos guardas-chuva
o barulho da rua gritando a nossa música
empilhava as bitucas no cinzeiro
meu cabelo ainda transando em seu travesseiro
e os seus olhos
assim meio exatos meio claros
tocam o tumulto que há em mim

sábado, 5 de setembro de 2015

Isso seria uma carta se o endereço do destinatário existisse

I
se é que posso ser sincero
eu não te quero em minha cama quando o sol anunciar 
que somos um erro à luz do dia
não quero viver em seus poemas que só falam 
sobre um amor incompatível com o meu gesto libertino
se é que posso te dizer a verdade:
somos uma mentira

até os seus olhos não existem quando fecho os meus 
nos segundos em que te perco em infinito passional 
composto por cílios, pele e distância entre dois corpos

II
se é que posso ser sincera de verdade
eu e você não existe
nem há realidade no instante em que te escrevo
pois apenas possuindo olhos lendários 
não é possível notar
que enclausuro versos em sutilezas do seu olhar 
enquanto o meu cadáver inquieto aguarda a eternidade

leio a sentença em seus lábios escorregadios 
declamando o lirismo inexistente e ruas da cidade 
só com o intuito de afogar cinzas e um pouco de rima no lençol azul piscina

a verdade é que a gente não existe
mas há livros que falam sobre o romance escrito 
em nossas trocas de olhares
os seus olhos
são o próprio infinito
mas eles não possuem vida
fora dessa poesia

III
você é vazio
quando não está em mim

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Gula

Seu pentelho em minha boca
Vagando autônomo 
Virando espinha na garganta e prato principal 
No jornal há notícias sobre a cura da sua escoliose charmosa 
paradoxal ao peso que carrega nas costas 
de tanta poesia mal comida
Indigesta
Aguardando uma fresta

Bolo de festa e um chá de boldo pra atenuar o gosto de vida
escorrendo pelo queixo gerando um sorriso de gozo quase ingênuo
(Porém duvidoso)

As letras flácidas na sopa
e no seu torso um dicionário de sentidos 
foi traduzido pela língua não padrão
Seus olhos quentes como o inferno
Prontos pra assar as minhas maçãs do rosto 
deixando um gosto de desgosto 
na rima que te faço muda

A poesia foi engolida ateando fogo no verso 
trazido na ponta da língua 
Assim requentado
Tem um pentelho no meu prato

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Copacabana

Hoje é inverno no bairro.

São dez e dez da manhã e a quentura imprópria da estação que invade o espaço entre as venezianas antigas é quase o pretexto pra não te dar um toque sem que haja um contexto. Um toque que seja. Um toque que te invada a bermuda esgarçada por minha causa. Seu número não tenho mais. Um toque que te arrombe a casa. Os ossos. Seus pés intranquilos. Você calçava os chinelos e se arrastava pelo calçadão fervente como os seus olhos. Não falarei sobre seus olhos e nem do inferno. O bairro é preguiçoso e enferruja dentro dos porquês elaborados com a saudade que você me fez traduzir enquanto tomava uma gelada na Siqueira Campos. Aquela rua te traduz também. Exausta. Um cubículo. Prédios enfermos e um porteiro banguela que insistia em me sorrir quando voltava encharcada do choro salgado. Do suor que te impregnava o pescoço quando retornava das longas caminhadas no calçadão dançante do seu bairro hospedeiro. Eu não sei nadar. Eu não contei os minutos de apneia dentro das suas calças. É abafado. É rígido. O bairro é impróprio também. Siqueira Campos eu nem sei quem foi mas hoje é saudade. Hoje é inverno na cidade e o inferno perto do caos de sua íris é mais denso do que a estação em frente à sua janela. O metrô da Siqueira é sempre muito azul. Não vou falar sobre os seus olhos. Talvez sobre o gozo ainda em meu passado. Dos passos contados até a Barata Ribeiro pra mais um cigarro e uma gelada não é tão gelada assim depois de conhecer a Siqueira Campos. O barulho do vagão em despedida. O cheiro velho da saudade de um bairro insosso e invernal.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

morri sete vezes
mesmo não sendo bicho
no colo de João

topei com o céu no dia treze
transei com os dedos no jantar
deixei que a poesia escorresse
pela mão espalmada

tracei um hemisfério
transa em cada verso
narrando o inverso de estar
segura no colo mudo de João

ninguém falou sobre as mortes
intermináveis do coração de
uma mulher
ninguém falou do coração
ninguém falou
João
ninguém

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Aguardo

saudade
sambou
no meu peito
como se fosse tiroteio
no Humaitá
quase engoliu minha voz
meu seio em luto
as cópias das chaves e o barulho
de pés no tumulto

bateu
uma onda
de saudade
e dizem que está perdido
na cidade
o sonho
a fome
aquela vontade de apertar
os passos
aferrolhar as portas
queimar a ponta no jantar

saudade escorreu pelo
rosto pálido
viscosa
e grudou no cabelo
me arranhou as costas
assinando as poesias ágeis como bala perdida
achada
esquecida

a saudade ganhou sentido
foi traduzida
tragada
mantida na boca
no verso e na ardência da ferida acompanhando
os batuques do samba no bairro
Humaitá

quando você vai embora?

sexta-feira, 31 de julho de 2015

você está aí?

massagear seus pés
rudes e exaustos
ouvir os poros em chamas
clamar minhas mãos
astuciosas
te rimando
ritual de dedos ágeis
senhas e passagens

descobri um astro no seu umbigo
(um coração toca a campainha)

nos meus versos
eu te toquei
ultrapassando a carne
os ossos sisudos
te infiltrando e penetrando
invadindo sua casa sem número

parasitando sonhos
intranquilos de um insone
te entrando
sem receber convite
(o número de desempregos subiu)

a fechadura sarou
fiz dos seus braços o meu violão
maciço
macio
eu te toco
toc toc
você está aqui?

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Alilás

apresento ao sol minhas lentes
de reflexo
com sensibilidade
à exposição de afeto
até aceitar que o asfalto
absolve
os corpos multados
os passos corridos sob sinais entrecortados
anunciando
que ficar parado enquanto
avançam os carros é pior do
que morrer atropelado pelo tempo

contemplo distraída as múltiplas violetas murchas 
enroladas no pescoço 
de fulana
[violentas flores]
só então entendo que lilás é poesia
quando o céu decide 
espancar
as cores líricas antes do sol
se despedir de
requentados amores

fumo
mais um cigarro
segurando a ponta do
horizonte entre dedos como se morrer
lentamente
pelo tabaco incendiado
fosse motivo pra render mais uma página no jornal 
sobre os perigos do
fumo diário

trago notícias
mais um nome que morreu na poesia
um corpo baleado
s
o
b
e
o elevador
tiro ao alvo
há um silêncio esmagador no metrô

escondo no bolso a minha sede condensada
como quem se adapta
calculadamente
ao deserto de olhos
apáticos

há versos abafados no armário
o condomínio está atrasado
uma ferida no peito do pé
nasceram flores ao chão
do bairro
[violentas flores]
espancando
a solidão onde mora
dores

terça-feira, 21 de julho de 2015

esquiva

eu estava virando a esquina
eu estava virando uma esquina
mais esquiva do que os seus lábios
eu virei a esquina tão rápido
parecia estar fugindo do vento
cortando a esquina
ou o meu fígado com uma garrafa de vidro
depois que eu bebi todo o dinheiro que tinha 

há tantos 
de passagem em mim 
que virar a esquina não é o perigo
eu virei a esquina sozinha
mesmo virando
a melhor parte de mim
depois da bebida

eu fico esquecida
então viro esquiva sem virar pra trás
evitando voltar ao início da esquina
onde deixei você
o dinheiro do cigarro
da próxima bebida
e da passagem volta
porque só tenho no bolso a de ida

domingo, 19 de julho de 2015

o seu nome escorre quente em minha boca


se não me levasse tão a sério
me levaria pra cama 
de quatro 
rezando pelo nosso pecado
que só existe quando escrevo com 
a língua na pele 
em carne 
ríspida 
o suicídio de um verso mal gozado

ao menos me entregaria algum 
resumo 
seja o seu número 
ou um olhar mais dócil 
do esse perdido no próprio tumulto
não me deixaria esperando por notícias 
sobre o novo tom da sua camisa engelhada 
na gola por culpa 
quem sabe? 
de alguma briga 
quem sabe inteiramente minha

estou sugerindo soluções 
menos dramáticas
e mais sutis do que esse seu exército 
de desdém construído 
como armadura 
é que preciso ser levada a outro lugar 
menos formal 
onde possa ficar 
tão nua e sua 
quanto as letras soltas endeusadas 
em um papel inerte 
e possa sambar junto ao ritmo de 
suas
veias 
agressivas 
saltando do corpo 
até que o coração nos recorde 
que a poesia 
tem nome 
mas 
as vagas estão lotadas 
e os vagões 
enquanto nós vagamos vazios 

se não me levasse
tão a sério 
eu diria que te levo também 

terça-feira, 14 de julho de 2015

Tua

A poesia lambendo o lóbulo da orelha
A poesia entre os beiços
Molhando o teclado
A poesia suja
A poesia fluída
Poesia ticket + dose dupla de vodka
Poesia transviada
Eu juro
Se não pularmos antes de
atravessar o viaduto
Muita poesia no muro
Só poesia português padrão
Só poesia tua minha é nós na garganta pra caralho
Poesia pseudo culta pós-impressionante
Poesia fajuta trocada por uma grana curta
mas
ela é
grande
Estamos distantes
Distantes e
Eu vou falar da poesia intrusa
Em tudo aquilo que protesto
Poesia manifesto
Manifestada de forma bruta
Poesia é coração de puta vadiando no carnaval do Rio de 
Janeiro é mês de ferver o corpo nas ruas em horário de verão
Poesia sol na pele a tostar
Fio dental e removedor de vazios
A poesia encheu o vaso
O vácuo
Entre duas bocas
Poesia escorrendo pelo queixo
Pingando no chão da sala 
2 quartos 
1 cozinha 
varanda de frente pro puteiro 
Mais barato do bairro
Poesia gozando da sorte
Sentença de morte, Vida e outras artes


Poesia é você

sexta-feira, 10 de julho de 2015

perca

Descobri que remetente é a cor do céu no inverno
Quando a lua fica cheia de nós e desaparece
Mas há uma avenida cheia de passageiros
Fugindo daqui dessa gente desenganada
Dessa espécie que inventa o amor mesmo que o verbo amar
Tenha sido usado tantas vezes que até tenha perdido o significado

Bares lotados e há um trocado pra mais uma dose de percas
Eu também me perdi mas quando as nuvens se chocam
O choro é coletivo na hora mais cheia do dia

A lua permanece inteira e estou perdida sim achando que o horário de Brasília
Não regula o medo do tempo
Não é de chuva que temo quando o cinza
Pinta as cores dos seus olhos de verniz

Só enfrento as horas a mais no calendário
E inalo um pouco de mim pra ver se fujo de nós na garganta
Perdi os sonhos no canto da boca e a vontade de dançar
Com o inverso no peito da caneta

Versos sobre o carteiro que fugiu dos correios
Me deixando assim entregando olhares alheios
Estamos interpretando o desespero
Achando perda em cada tampa sumida de cabeça
Não me deixa esquecer de você recitando poesia sobre suas manias...

Eu te perdi mesmo sem nunca ter nem o direito autoral ao seu nome cotidiano
É tudo isso um engano
Enquanto o rádio também inventa de chorar conosco no banho
Mas quem tem paciência pra choro quando o coro de indivíduos
Soa despercebido e a gente ouve os zumbidos do mundo
Querendo respirar um pouquinho

Minha rima está perdida dentro da tampa da caneta
No cheiro da sua camiseta indo embora antes que eu me desse conta
De que perdi a hora e as conta dos passos de volta pra casa sozinha
Eu perdi até a vontade de continuar essa poesia...

terça-feira, 7 de julho de 2015

pedalinho

eu não sei se notou
mas a cidade está mais cheia

e íntima
e doida varrida 
não sei se notou que te olho
quando há uma distração em sua fala
momento em que me nutro de harmonia e instabilidade

não sei se notou 
mas somos as desequilibristas 

o Cristo fica colorido em dias específicos
e a lua tem aparecido antes das cinco
no instante em que você pega a sua bicicleta
e equilibra a própria vida entre o meu coração
e o espacinho instável do asfalto 

que a minha boca quer morar 
em seu corpo feito se te adorasse
mas não sei se notou 
e olha que eu te adoro 

sábado, 27 de junho de 2015

Você gosta disso e eu com as palavras me reviro

eu te procurei pela cidade

mesmo só sabendo o seu nome e querendo morar

em cada curva do seu j

e te quis como se a lua não fosse me esquecer mais tarde

porque não tenho vista panorâmica de seus olhos mas tô paranóica sim

usando palavras pra cessar o sufoco

ufa é pouco

ter você seria o meu alívio

porque há um grande risco

de sermos reescritos por tradutores automáticos


na curva do seu sorriso

eu quis fechar parênteses pra ver se esclarecia

nosso contexto inexistente

mas isso é licença poética demais

no ponto eu te dei um fim

porque não tenho aspas pra voar contigo


no início da rua eu encontrei

a sua janela

não era em sua casa que eu pretendia morar

domingo, 14 de junho de 2015

nós na poesia é incompletude

assim metade
meio míope
insossa
faltam alguns centímetros
decoro o som do passarinho
sem nicho produz
antes dos vizinhos 
os coadjuvantes da poesia
saírem
para trabalhar
acordar em tom do choro 
daquele bicho é
me aceitar ferida

mansa e maré
café de manhã
borro o mármore e
essa cara tão pálida 
não é mais de espanto
me aceitei metade
mas é verdade é que me falço falta
me sondo e busco motivos
nem do lugar pois 
o choro do passarinho 
sem ninho 
é onde habito

arritmia cardíaca
mais rápida do que as rimas
estou sim aceitando a falta de ritmo
subestimando as vírgulas estendidas 
no varal da licença poética 
situada em tudo aquilo que enfio 
goela 
A dentro
e fora nada parece tão concreto
apesar desses tantos prédios

Não vim inteira!

estamos a sós em nós
em alguma cidade da rua  
nas placas e muros pichados
A poesia
esquecida (como nós)
enrolados nós cabos de eletricidade
morrendo eletrocutados
pela cidade
o coração não bate
só clama poesia não se apague
mesmo que as paredes da cidade
não caibam tantas 
metades

estamos engolidos
procurando
abrigo sentido motivo
...o silêncio é tão grito quanto o choro daquele passarinho

sábado, 13 de junho de 2015

amoras

Eu que nunca antes havia provado o gosto de amora, descobri o amor escondido dentro do caldo que saía da fruta e dos lábios e de versos vadios. Quase encontrei refletido no muro branco de cal a luz verídica do sol que vinha de uma manhã afobada pra acordar e me acender queimando um pedacinho do pé. Quase despertei mas é inútil acompanhar a passos o tempo e os novos ônibus de janelas trancadas espalhados pela cidade. Quisera uma borboleta fizesse lar na minha mão e do meu corpo houvesse língua que quisesse ler em braile um versículo obsceno. Desculpa a cena. Preferiria ser revelada como um artigo sem letras mas também não possuo números ou código que me abram as pernas antes de uns tragos de resignação. A minha pele é o caminho dos amores que deixei na rua junto aos versos em guardanapos úmidos e preferiria não lembrar do carteiro indo rumo à longe daqui levando as cartas do meu armário num ônibus com ar condicionado.
Logo as cartas sem rumo...

Eu que nunca amei
acho que encontrei na amora o amor.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

será
que 
te trago
ou trago você?
trago 
angústias
em um maço
de cigarros
e as suas cinzas
no canto
do quarto
será 
que te trago?

domingo, 31 de maio de 2015

perdendo a memória junto ao seu nome

quase esquecendo o seu sobrenome
junto aos vocativos que te identificam 
em mim e nas poesias que pouco a 
pouco vão te perdendo 
e se tornando mais urbanas
pois o caos da cidade é um bocado 
do que vi quando por descuido dei zoom 
em seus olhos de mutirão implorando por sossego

e quando há paz eu não existo

há uma ânsia de se ocultar que te 
faz crescer a barba e me perder é também 
se achar menos alheio 
porque não sou daqui e nunca fui

quase não te sinto
mas sinto muito
não por deixar que você escorra de 
mim como se fosse um motivo de choro 
mas por permitir que a poesia te escreva uma despedida 
sem que ouse citar o seu nome

mas, quem é você?

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Transe

Descobri que saudade é nome de rua, habita meu quarto e faz versos por mim.
Mesmo sabendo o caminho de casa me perco e volto pela metade quando encontro na rua cartas endereçadas a ninguém. Meu coração não é meu, nem teu, ele é um bicho solto que me faz subir ladeiras para seguir amores impossíveis. E eu que insisto em poetizar os olhos, descobri que há poesia no líquido que escorre de nós.
O corpo é feito para transar, pensei.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

azul-íris

olhos de medo e
passos sonâmbulos
há um brutal encontro de sonhadores no vagão das sete e quase não vejo mais aquela criança querendo sair de casa pra enfrentar um bicho maior do que o escondido dentro da caixa de ossos cansado na cama

eu escuto a buzina chorar por atenção e o suor dança enquanto a gente só quer morrer de amor mas somos atropelados pela compaixão inexistente no asfalto do centro da cidade
e destruídos são os sonhos dos homens de terno engomado
é tudo engolido e intragável desde o último resfriado porque o rio em maio é quase tão gelado quanto o som de um suspiro prolongado e sem rima
há sim muita desistência e penitência quando não usamos as palavras para dizer que o sufoco é oco como todas as obras que tentei escrever falando sobre os seus olhos de medo mesmo o dia estando tão azul-íris




Mudei o nome do blog, espero que se acostumem

terça-feira, 19 de maio de 2015

coração bomba

eu vi o seu olhar metralhar
cada letra dos meus discursos de não te querer
eu me arrependi de voltar pra casa
eu me arrependi de não deixar fios suicidas de cabelo em sua cama
ou uma marca ilegal da mão trêmula em sua nuca
querendo te devorar enquanto a minha boca já fazia isso

à noite eu ando em sua rua
sem saber o seu andar
ou onde andará você

querendo construir uma poesia sem essa de rimas ou amor platônico
eu quero foder contigo até que os olhos ardam com a luz do sol 
ultrapassando sua veneziana
pois não acredito que você irá deixar em mim
algo além de hematomas
e porque eu fico muda

mudo
o mundo tem medo

você também tem
mas há algo em seu olhar terrorista
que desafia e mata a poesia com rimas que eu pensei em te escrever

que me faz mexer na cadeira
subir ladeiras íngremes demais pra um pulmão fumante
há algo em você que me faz acreditar nos vilões
e se ouso dizer agora que me arrependo de ter voltado pra casa 
é porque quero morar na guerra que seus olhos me causam

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Devo chamar essa poesia de despedida?

devo chamar essa poesia de saudade?
ou são os seus olhos perdidos
na cidade
me atordoando
qualquer esquina endereçada
até seu nome indigente
dentro de mim
corroendo qualquer chance que tive 
de escapar sem ressaca
as olheiras condenam
sua voz desconstruiu toda prudência
que botei na cama
e fiz cafuné
porque o medo sempre esteve
até nas poesias que ocultavam o seu nome 
não é sobre o amor que as canções de amor falam
é sobre o nosso cansaço
mas eu também estou suada
e há tempos não arrumo o quarto
não falam de você nos grandes clássicos
porque é só mais um
joão-
ninguém
reparou que os prédios estão muito altos
enquanto a gente se aperta
nas ruas que sobram
quase nada nos resta
mesmo te olhando distraída enquanto recita
obras de Fernando Pessoa ou a garota da rua São Clemente
eu admito que continuo escrevendo minúsculo
querendo diminuir esse escarcéu tão imenso
quanto o seu silêncio de rotina
ninguém nos sobra

só essa saudade maior do que os prédios do bairro restou
recordando que o título vem depois do poema
e você não

domingo, 3 de maio de 2015

cartas na rua

você permanece  
em mim  
apenas dentro  do espaço  
guardado  
para esquecer insanidades platônicas 
pendurado  
pelo pescoço  
cantando blasfêmias  
sobre o tal amor que tanto renega a finco sob o sol da tarde  
só seus olhos  
se conservam intactos 
quando olho  
para o infinito  
e te pinto em memórias invisíveis  
a quem não acredita em acasos 
são tantas  
poesias bordadas com o seu nome gigantesco  
imagine o amor sendo uma farsa  
a favor da arte marginalizada  
por Deuses modernistas 
só o meu desapego  
virou rotina 
quando atravesso um quarteirão inteiro para te perder de vista 
não são as minhas palavras que te movem  
mas estou sempre te dando vida nas poesias...  
(sou turista no amor) 
mas abrigo  
o meu coração em sua porta 
 para achar  
entrada  
quando houver  
um descuido seu ao sair para entregar as malditas cartas,  
carteiro 
são tantas cartas  

e nenhuma notícia sua