segunda-feira, 18 de março de 2013

A fumaça apagou a dor, o amor

Ela tinha aquele cigarro de marca desconhecida no canto da boca.

Eu a observava com o canto dos olhos, sempre com cuidado para não ser percebida. Quando a encarava, ela fazia questão de não olhar para mim, era melhor assim. Os olhos dela eram cor-de-sol, cor-de-folha, cor-de-mar, era estranho pois a cor de seus olhos mudavam de acordo com o humor. Humor? Ela não tinha humor, só tinha aquele maldito cigarro na boca. Não que eu me importasse muito com o humor dela, já estava acostumada, mas por que ela não soltava aquela droga? Tinha eu aqui, ela poderia me segurar por entre os dedos e tragar-me até o fim. Ela poderia muito bem me colocar na boca e viciar-se.

Aqueles cabelos dourados fediam a fumaça, balançavam contra o vento fazendo com que meu coração parasse. Seu rosto era malicioso e quando sorria, os lábios grossos enfeitavam-no. Ela ficava horas e horas jogando a fumaça para cima e balançando o cigarro, como se fosse uma marionete, mais uma de sua coleção. Tratava essas marionetes fedorentas com tanta carícia que eu sentia ódio, era como se a cada novo cigarro fosse mais um amante a beijá-la com tamanha ferocidade que a fazia rir. Eu era uma marionete, porém nem sequer estava em sua estante.

Eu me preocupava tanto! Seus pulmões estavam sendo queimados e poluídos, seus dentes em breve amarelariam e provavelmente ela teria um câncer em pouquíssimos anos. Oh, seu cheiro amadeirado, levemente misturado com baunilha, não mais exalava. Seus cabelos que deveriam ter cheiro de shampoo barato, hoje em dia não têm mais. Ela se tornara alguém que eu não mais conhecia, uma névoa, algo efêmero, mas a amava do mesmo jeito nefasto. Eu tinha a mesma dor no peito, sentia o nó incontrolável na garganta quando pensava em ser descartado como a bituca que ela jogava ao chão, mas como seria descartado se nem a ela pertencia?

Certo dia, em casa, achei um maço de cigarros jogado na mesa, provavelmente era de minha mãe. Levei-o para o quarto, peguei o fósforo e decidi experimentá-lo. O primeiro trago foi a coisa mais terrível que senti na vida, depois vieram outros, no mesmo dia fumei todos os vinte que tinham e comprei mais. Comecei a fumar e fumar incontrolavelmente, mesmo não gostando do cheiro e nem do sabor que ficava na boca, fumei por ódio, rancor, amor. Os dias passaram-se e quando vi a menina novamente, meu coração bateu normalmente e logo percebi: Troquei-a pelos cigarros! Eu não precisava mais estar na estante de ninguém, tinha minhas próprias marionetes. Achei engraçado quando vi a garota da minha rua encarando-me, por vezes ela soltava suspiros, eu fazia sempre a mesma coisa, ficava brincando com o cigarro na mão e abria um sorriso malicioso, que antes não tinha.

2 comentários:

  1. cara, que brisa louca esse texto! eu que não fumo, quase acendi um cigarro! haha

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  2. Que delícia seu comentário, eu mesma que não fumo, acho que estava envolvida por fumaça de cigarro quando escrevi essa prosa.

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